ENTREMEIO, NORMAL, Ralph Gehre. Tinta permanente s/ papel de algodão, 2010.

ÚLTIMA SEMANA. Se uma imagem vale mais que mil palavras, qual seria o rendimento de uma palavra em imagens? E uma vez imagem, se perde algo ao voltar a ser palavra? Linguagem Cifrada é um exposição organizada por PARADIGMAS GALERIA que apresenta o ir e vir da palavra escrita no processo de criação de quatro artistas. De portadora de significado, a palavra passa a matéria que salta entre códigos e linguagens nas mãos destes criadores. São micro-contos que se escondem em códigos QR que acionam celulares, mensagens cifradas em ícones como nos passatempos infantis, composições que se constroem a partir de letras que se desfazem e desenhos que mais se parecem a caligrafias. Entre a apropriação da tecnologia digital e o uso da pena e do nanquim, Angélica Padovani, Chico Amaral, Daniel Búrigo e Ralph Gehre provocam diferentes metamorfoses da linguagem verbal.

O produto da criação de Angélica Padovani pula entre um código e outro, graças à tecnologia. Como num passe de mágica, palavras se transformam em uma imagem e logo voltam a ser palavras. Artista de formação, Angélica faz da escrita seu meio de expressão mais recorrente. Faz para dar conta dos sentimentos e impressões que entram pelos seus olhos e que logo tomam a forma de palavras em seu blog http://hanselygretel.wordpress.com. Foi daí que Angélica selecionou os oito micro-contos que “escondeu” em códigos de resposta rápida (QRcodes), exibindo somente seus títulos. A primeira vista, parece que estamos diante de gravuras geométricas abstratas cujos títulos parecem ter saído de um almanaque pessoal: Da Resignação, Dos sustos, De como passam os dias… O código bloqueia a leitura e para voltar às palavras é necessário instalar um aplicativo no telefone celular e assim acessar os relatos de Angélica. Em sua estrutura de linguagem, a palavra segue intacta, mas fica suspensa por instantes em uma imagem-código em seu caminho até o leitor.

Chico Amaral também disfarça mensagens e apresenta um criptograma na mostra. Em Enigma se cifra a mesma mensagem em quatro idiomas: catalão, castelhano, português e inglês. Chico fez um passeio pelo acervo cultural destas quatro línguas para selecionar os ícones que compõem a mensagem através da qual compartilha uma inquietação com quem se anime a descodificá-la. A obra, que é interativa, deixa em evidência as diferenças entre cada cultura e a construção de códigos compartilhados e deslocamento. Para inserir-se em um contexto, não basta conhecer o idioma, é preciso conhecer o acervo de referências que constitui a cultura daqueles que a utilizam. Mas para entrar no jogo de Chico basta um lápis e a disposição para associar conceitos às imagens expostas.

Com poucas palavras Ralph Gehre transforma o escrito em desenho. Em um re-escrito, melhor dito. Nas obras que apresenta em PARADIGMAS a palavra se entrelaça, se transforma ela mesma em imagem e revela outros registros. Ralph busca o que as palavras ainda insistem em esconder e as escolhe tanto por seu significado como por seu desenho. “São muitas e todas me servem por suas curvas, ângulos, cantos, cortes, sobes e desces”. Nas suas mãos, a pouca distância entre os gestos da escrita e do desenho se diminui e gera intrincados labirintos de cores com mensagens que não se completam como em Entremeios. Também não é possível recompor o dito nos desenhos de Intermináveis Conversas Telefônicas. Nos resta a saturação e a casualidade de topar com algo figurativo no meio do caminho. Na série Quase Foto já não é a palavra que pula de um lado a outro. Pequenos retângulos feitos com canetas gastas compõem outro tipo de tramas que, desta vez, remetem a fotografias digitais exageradamente ampliadas. Ao reproduzir o momento de desfiguração de uma foto, Ralph cria uma imagem. O gesto manual e obsessivo do desenhista joga aqui com a persistência do código binário. As transformações de Ralph conduzem sempre a códigos da pintura e do desenho, de onde compartilha sua leitura do mundo.

Daniel Búrigo, talvez o mais lírico dos quatro, incorpora aos seus trabalhos elementos que são o mesmo tempo notas e imagens. É como se seus desenhos fossem em realidade diários pessoais onde a palavra exige presença, nem que seja traçada como imagem para dar conta de tudo que vive o artista em seu momento de expressão. O gesto de Daniel ignora a diferença entre linguagens e constrói um desenho de traço caligráfico. Compulsivo e sempre atento a seu entorno, qualquer coisa que entre no seu campo de vista serve de ponto de partida para um novo trabalho. Parece ser que o artista não desenha, em realidade nos escreve os seus dias.

Cada um à sua maneira, os quatro artistas deslocam o nosso entendimento das coisas ao suspender a lógica dos códigos. Aqui, a palavra faz piruetas. Para estes criadores, como sempre, no princípio havia somente o verbo. Apenas o verbo.

Abertura: 1º de dezembro, às 19:30.

Exposição: de 2 de dezembro a 13 de janeiro.

De terça à sexta, de 16 às 20:30. Sábados, de 17 às 21.